1. Introdução
1.1 O apelo do comum; o apelo da linguagem comum, limpa de ornamentos arbitrários e artificiais.
1.2 A imitação da linguagem comum vs imitação da dicção poética, uma fraseologia inane; diferentes interpretações de uma promessa inerente ao acto de escrever em verso;
1.3 crítica do estilo de linguagem e do estilo de pensamento como crítica do estado presente do gosto público num país.
1.4 A clarificação da ‘promessa’ enquanto compreensão de uma continuidade entre dimensões técnicas, morais, políticas, de uma dada prática, ou de uma technê associada a uma prática.
1.5 A dicção afectada perde de vista a função edificante da poesia enquanto modo de compreensão;
1.5.1 As consequências indesejáveis de uma dicção afectada e vazia: um embotamento dos sentidos, da capacidade de discernir certas distinções por via da linguagem, ou o modo como maus usos de linguagem resultam numa compreensão inadequada do mundo natural e da natureza humana.
1.5.2 Este género de argumento é da família de um aristotelianismo injuntivo a que parece, em parte, pertecer o prefácio de Wordsworth, sejam quais forem as suas outras prováveis influências filosóficas, possivelmente filtradas através de Coleridge.
2. Alguns aspectos neo-aristotélicos do prefácio de Wordsworth.
Nota: estes aspectos são um resíduo da recepção neoclássica da Poética, do modo como esta é discutida na Europa a partir do renascimento, nos círculos filosóficos e dramatúrgicos. A ênfase de Wordsworth na experiência individual do poeta é completamente estranha, no entanto, aos pontos de vista aristotélicos.
2.1 ‘dicção poética’ enquanto resíduo da ideia aristotélica de lexis (elocução, dicção):
“A tragédia é a imitação de uma acção elevada e completa, dotada de extensão, numa linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas partes, que se serve da acção e não da narração e que, por meio da compaixão (eleos) e do temor (phobos) , provoca a purificação (katharsis) de tais paixões.”
“Por ‘linguagem embelezada’ entendo a que tem ritmo, harmonia [e canto] e ‘por formas diferentes’ haver algumas partes executadas apenas com metros, enquanto outras incluem o canto. Uma vez que a imitação é realizada por pessoas que actuam, a organização do espectáculo será necessariamente, em primeiro lugar, uma parte da tragédia; depois, a música e a elocução [lexis], pois é através destes elementos que realizam essa imitação. Considero elocução a própria combinação dos metros;”
(Poética 1449b24ff)
Toda a tragédia tem seis partes. São elas: enredo (mythos), caracteres (ethe), elocução (lexis), pensamento (dianoia), espectáculo (opsis) e música (melopoiia). Sobre a elocução, veja-se o seguinte.
A ideia de linguagem apropriada de Wordsworth é assim um resíduo da ideia aristotélica de lexis, ou antes, a sua crítica da dicção é uma versão neo-aristotélica da descrição dos erros de elocução por Aristóteles na Poética.
2.2. Aquilo a que chamei aristotelianismo injuntivo (eixo Poética 4-9):
(a) A ideia conhecida de que uma elocução adequada contribui para um afinamento perceptivo e intelectual; e de que a democratização do contacto com certos tipos de linguagem contribui para um melhoramento colectivo, à escala da comunidade;
(b) a ideia de que a linguagem poética alivia objectos vulgares e repugnantes da sua vulgaridade e dos seus efeitos desagradáveis <e.g. 5, 9, 17, 25>
(c) a ideia de que a poesia, quando é adequadamente composta, põe o leitor (ou o ouvinte) em contacto com ‘Universais’. <e.g. 23>
(d) a ideia de que este contacto com Universais acontece por via da percepção de semelhanças. <e.g. 25>
Poética 4, 1448b4ff:
“e como aprender e admirar é agradável, necessário é também que o sejam as coisas que possuem estas qualidades; por exemplo, as imitações, como as da pintura, da escultura, da poesia, e em geral todas as boas imitações, mesmo que o original não seja em si mesmo agradável, pois não é o objecto retratado que causa prazer, mas o raciocínio de que ambos são idênticos, de sorte que o resultado é que aprendemos alguma coisa. São ainda agradáveis as aventuras e o salvar-se por pouco de perigos, pois todas estas coisas causam admiração.”
Poética 9: a poesia ser mais filosófica que a história.