2024-12-19

9h23: chegada ao Entroncamento. (Viagem bastante cómoda no IC.) Estico as pernas em redor da estação enquanto espero pelo Miguel. Decido se tiro a câmara. Algumas fotografias inconsequentes. Praça de taxis, restaurantes falidos, o letreiro bambo de um escritório de advogados de província, posto de turismo, culto evangélico, lojas de uniformes militares, laranjeiras ao deus-dará. Interessante número de famílias imigrantes aqui na whiteness of the whale. Sol de inverno. Um tipo com chapéu de cowboy. Encostado ao muro da estação, um ex-combatente tem memórias da Guiné.

Primeira paragem: Riachos. ER 243. Agromais. Durará uns 40 minutos.

Idem. Terminal do Entroncamento. Estou a pensar numa passagem dos diários de Kafka na Suíça. ‘Paisagem americana’. Stephen Shore-ish (Steel Town).

Idem. Ferrovia, painéis solares, armazéns, eucaliptos, postes de alta tensão, casario. Écogla moderna.

Idem. MCS <Mediterranean Shipping Company> Terminal do Entroncamento S.A.

Idem. Estou a pensar no Robert Adams, luz errada.

Idem. Nova imagem Lda. (tractores). Lugar certo, luz errada. O Tejo passa lá ao fundo, antes da elevação no planalto, entre Golegã e Chamusca.

Segunda paragem, Tomar. Rua Aquiles da Mota Lima <coleccionador de fósforos¹>. Imagem simples, começo da tarde. Tão simples que não sei se é uma imagem. Podia ser em qualquer lado no país. A identidade da falta de indentidade. Apropriado símbolo do ‘Médio Tejo’.

Idem, ruína. Caminhada interrompida por circunstâncias inesperadas.²

Idem. Antigo acampamento do Flecheiro. Aqui se fixaram os romanos e os romani.

Idem. Intervenção na margem do Rio Nabão. Entrada sul de Tomar.

Idem. Onde estará o forno de tijolo romano?

Idem.

Idem. Não sei se prefiro a cores.

Idem. Rua do Flecheiro/Rua Rodrigues Simões. Armazém, ruína, baldio. Daqueles terceiros andares via-se o acampamento. Dai-me aqui uma tarde de 1987: no fim, os putos ciganos levavam a bola e eu ficava infeliz, mas havia durante o jogo a excitação de estar em vias de ser assaltado, o que nem sempre acontecia e voltava-se para casa mais crescido. Sinto falta de espaços com este género de vagueza de traseiras do prédio, traseiras da vida. Trazem à memória ‘O pátio da estalagem em Emaús’, de Ryckaert³. A requalificação da frente ribeirinha vai acabar por estragar isto.

Um pouco adiante. De regresso à Casa dos Cubos para a apresentação do projecto.⁴

¹

Notas

1. Não deixa de ser irónico haver logo aqui um museu de fósforos. Episódio ‘Sabe que há um Museu dos Fósforos?’ (Ruy Ferrão, RTP Play).
2. Alguém trouxe por engano a chave do carro de outra pessoa. Regresso pelo mesmo trajecto.
3. O quadro de David Ryckaert III pode ser visto online no Met. (Rodrigues Simões: director e principal accionista da Fábrica da Fiação, “homem de origens humildes referenciado em Alcanena, feito e experimentado na Lisboa dos grandes negócios ... importante bibliófilo, ... amigo de eruditos e estudiosos ” ‘O Templário’. Também conhecido como pai do Sr. Engº João ‘John’ dos Santos Simões.)
4. A apresentação pública do projecto decorreu a 19-12-2024 (YouTube).